Autor: Marcos Paes de Barros
Com as possibilidades evolutivas de expressão da Arte e do Design junto à tecnologia, fica difícil saber quais são os limites para essa evolução e consequentemente classificá-los e/ou distingui-los, levando em consideração que as mesmas ainda não foram esgotadas.
Quando as barreiras físicas não suportam mais esse entendimento, fica a critério do conceito definir quais são os limites.
Por isso optamos por um entendimento do conceito de ambas a partir de deduções, do confronto retórico e da compreensão de alguns filósofos, instituições e estudiosos selecionados e relacionados com o tema.
Começamos com Gombrich, que afirma não existir Arte, apenas artistas, sendo assim, tudo aquilo que o artista produz é Arte, inclusive se for Design.
A afirmação é de certo modo paradoxal, pois a recíproca colocaria a suposta Arte como produção do artista, mas tudo o que o artista faz é Arte?
Dos registros nas cavernas de Altamira que datam entre 15.000 e 10.000 a.C. até os cartazes da modernidade, tudo é Arte? A mesma Arte?
É compreensível a indignação de SantAnna ao relatar sua experiência com a máquina que produz fezes do artista Wim Delvoye? Merda é Arte?
Obviamente existe uma relação da suposta Arte de Delvoye com o momento histórico, talvez uma crítica à sociedade de consumo, à industrialização e ao sistema capitalista e suas consequências. Isso explicaria a produção de Cloaca, uma máquina "alimentada" duas vezes por dia e que transforma o alimento em fezes.
Cloaca tem um site próprio onde essas fezes são comercializadas e dispõe até de identidade visual. São paródias dos logotipos da CocaCola e da Ford e do mascote da Mr. Clean.
Há uma busca de referências estilísticas, sobretudo na identidade visual da Cloaca, no Design. É um caso de Arte com aplicação de Design Gráfico.
Dorfles define Design como algo produzido por meios mecânicos, serializado e a partir de uma atividade projetual, sendo assim, aquilo que se entende por Arte e corresponde a esses pré-requisitos é também Design.
Considerando que existe atividade projetual na construção da máquina que produz fezes em um processo de produção em série e por meios mecânicos, poderíamos deduzir que as fezes também são produtos do Design. Mas qual foi a necessidade dessa produção? Qual a contribuição, em termos práticos, para a sociedade? Por mais que seja resultado de produção em série, como ficaria o conceito de padronização (consequência lógica na serialização) nas fezes geradas pela Cloaca?
Provavelmente, o surgimento da Cloaca induz questões, mas não respostas.
Retrocedendo pouco mais de 2 mil anos, encontramos Platão afirmando que Arte é transformação humana, endossado por nosso contemporâneo professor Alfredo Bosi. A busca da verdade universal, na visão platônica, e da generalidade, segundo Bosi, é o que divide opiniões.
Para Platão, Arte e belo são coisas distintas, pois a beleza está no ideal, sendo a Arte apenas uma forma de reconhecimento que busca esse ideal na transformação da matéria.
Bosi acredita que a Arte está na capacidade do artista de entender um determinado segmento e representá-lo por meio de tipos (representação de conceitos abstratos por meio de figuras simbólicas).
Em uma breve associação com os trabalhos do pintor e cartazista francês do final do século XIX, Henri de Toulouse-Lautrec, citamos uma de suas modelos favoritas representada em diversos cartazes, a dançarina Jane Avril. Jane afirmava que sua fama estava atrelada ao seu aparecimento nos cartazes.
Não seria o cartaz um instrumento de universalização ou transcendentalização para a pessoa Jane Avril? Uma inversão do pensamento platônico onde a beleza está na representação que se reflete no real? Seria o Design como um tipo de Arte às avessas segundo o pensamento platônico?
Talvez essa universalização se de pela caricaturização, onde Jane não seria retratada só como uma pessoa e sim como uma espécie de alegoria (categoria formada por um conjunto de propriedades, de características gerais), uma representante de um segmento dentro de um contexto social e histórico, como na visão de Bosi.
Concluímos com o filosofo alemão Imannuel Kant. Ele afirma que não conhecemos as coisas em si mesmas, mas enquanto objetos de nossas representações. Essa percepção do ser humano entre a matéria e a relação estética se dá por meio da experiência.
Kant propõe dois tipos de manifestações de beleza ligadas ao prazer que mais tarde foram associadas à Arte: a beleza ligada à utilidade prática de um objeto e a beleza livre (ou pura) que agrada independente de conceito ou uso.
Estes conceitos são base para as mais modernas concepções sobre o entendimento da Arte e do Design, fundamentando a Arte como beleza contemplativa e o Design como beleza funcional. Entretanto elas se fundem e trocam de papéis como no caso da Arte funcional e do Design contemplativo.
Podemos notar certas divergências entre os entendimentos mencionados acima, pois são visões distintas que compreendem momentos e elementos em estágios evolutivos diferentes.
Em virtude dessas divergências, qualquer classificação, segmentação ou afirmação incondicional sobre ambos poderia ser leviana ou contraditória.
A relação entre ambos é estreita e com variáveis que impossibilitam afirmar se o Design é ou não é Arte. Todavia podemos concluir que o Design tem seu surgimento atrelado à Arte, seu desenvolvimento influenciou e foi influenciado por ela e na sociedade onde vivemos, a tendência é se aproximarem cada vez mais, fazendo com que a conclusão deste texto seja cada vez mais incompleta.
Bibliografia
ARNOLD, Mathias. Henri de Toulouse-Lautrec: O Teatro da Vida. Tradução Casa das Letras, Lda. Köln: Taschen, 2005. 95p.
BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a Arte. 7 Edição. São Paulo: Ática, 2000. 80p. (Série Fundamentos)
GOMBRICH, Ernst Hans Josef. A História da Arte. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC. 16 Edição, 2000. 688p.
KANT, Emmanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2 Edição, 1995. 384p.
PLATÃO. A República. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret. 2008. 320p. (Coleção a obra-prima de cada autor)
________. Banquete. Tradução: Jean Melville. São Paulo: Martin Claret. 3 Edição. 2008. p. 95-166. (Coleção a obra-prima de cada autor)
SANT'ANNA, Affonso Romano de. Desconstruir Duchamp: Arte na Hora da Revisão. Rio de Janeiro: Vieira e Lent. 1 edição, 2003. 204p.
Publicado em: iMasters
Data: 20/01/2009
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