Não é novidade para ninguém falar que a China produz a maior parte de produtos de vários setores, que vão desde brinquedos, roupas, sapatos até produtos tecnológicos.
Também não é novidade dizer que os trabalhadores chineses são explorados, com péssimas condições de trabalho e horas exaustivas na linha de produção. Pra ter uma noção, em 2007, foi descoberto uma fábrica que obrigava os empregados a trabalharem 18 horas por dia (!), 7 dias por semana, sob a vigilância de guardas com cães. As condições eram tão terríveis que chegaram a dizer que a sujeira das pessoas eram tão grande que daria para raspar com uma faca.
Desde o caso acima os trabalhadores chineses ganharam alguns benefícios, como férias. Sim. Além de trabalhar 7 dias por semana (descansar 1 dia é coisa da cultura cristã) ninguém tinha direito a férias remuneradas. Agora terão 5 dias de maravilhosas férias para quem tem até 101 anos de serviço, 10 dias para quem tem até 20 e 15 dias de férias para quem sobreviveu tem mais de 20 anos de serviço.
Hoje empresas estão desesperadas por aumentarem seus lucros e diminuir custos. Dizem elas que ignorar a China, Malásia, Filipinas, e tantos outros países, é um suicídio empresarial.
Você deveria ter medo do modelo chinês de fazer as coisas
As grandes do Vale do Silício, e de outros celeiros tecnológicos, mantém suas sedes nos países desenvolvidos, com grande qualidade de vida, mas suas fábricas, terceirizadas, ficam na China e em outros países do sudeste asiático. Apple, Microsoft, IBM, HP, Dell, Nokia, dentre várias, usam e abusam do trabalho barato do oriente.
Elas fazem um tipo de negócio específico, chamado de ECM, Electronic Contract Manufacturing. A megaempresa ocidental faz um estudo e contrata empresas asiáticas para fazer seus produtos. Eles ganham em velocidade, por causa da baixa burocracia e falta de legislações, como ambiental e trabalhista (comum nos países desenvolvidos e com liberdade para discutir repercussões de ações humanas), e economizam muito pelo baixos salários pagos. É um paraíso para qualquer capitalista (olha que paradoxo. O paraíso capitalista fica em mundo que se diz comunista).
Tudo é pensado pelo lado da maximização da produção e do lucro. Lado humano é secundário. A Foxconn, que é ECM da Apple, HP, Dell, Sony e outras grandes empresas, por exemplo, teve suas ações afetadas, mas não pelos constantes suicídios que ocorrem em suas linhas de produção, nem pelo marketing negativo no ocidente quando mostraram que suas fabricas são verdadeiros feudos, onde as pessoas vivem e trabalham, tudo no mesmo lugar fechado, mas pela pressão de pessoas e grupos em cima das contratantes, que como consequência fez a Foxconn aumentar os salários em 30% (passando pra US$132 por mês), para tentar cessar os suicídios e diminuir os protestos ocidentais. O aumento mínimo dos salários fizeram as ações cair pois os lucros poderão cair um pouco.
Linha de produção da Foxconn em Shenzhen / Wikimedia
Se na Foxconn a coisa é ruim, em outras empresas, como a Dongguan Kunying Computer Goods Company Ltd., ECM da Microsoft e Samsung, são piores. Além dos salários baixíssimos, os trabalhadores tinha uma jornada de 15 horas por dia, de segunda a segunda, totalizando 97 horas por semana!
Se a ditadura chinesa não liga para seu povo, o ocidente deveria ligar, e muito. Se você não liga para a dignidade humana, pense no lado lógico. Se a China usa esses métodos para atrair empresas, ganhar dinheiro, ganhar força política no mundo, quem perde são os países ocidentais, que respeitam o meio ambiente e os direitos das pessoas. Empresas do ocidente não tem como competir com os chineses e todo o sudeste asiático. É pura concorrência desleal, que tira empregos nos países que se comprometem com regras mínimas de trabalho.
É como diz a Constituição da OIT, a Organização Internacional do Trabalho, agência ligada à ONU: “…se alguma nação não adotar condições humanas de trabalho, esta omissão constitui um obstáculo aos esforços de outras nações que desejem melhorar as condições dos trabalhadores em seus próprios países”.
E isso faz muito mais sentido quando vemos constantemente o empresariado brasileiro e a extrema-direita política querendo diminuir direitos trabalhistas, tornar mais flexíveis, com o argumento que se não fizer isso o Brasil não tem como competir com outras forças. E você acha que é culpa de quem a falta de competitividade?
Os únicos que por vontade própria são a favor desse modelo de negócio é a China e as grandes empresas ocidentais (e até orientais), que estão ganhando, enquanto todo mundo perde.
Bom, eu não consigo escolher não usar produtos feitos com sangue e suor chinês. Quase tudo vem de lá. Mas quem sabe num futuro alguém consiga (quem sabe uma revolução lá mesmo?) que a China siga regras da OIT de verdade, parando de escravizar pessoas e tornando a concorrência mais leal.
Publicado em: SINAPSES LIVRES
Originalmente em: 25 maio de 2011